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Mulher, ciclo menstrual, patriarcado e Mindfulness

Atualizado: 21 de jun. de 2021

Estou há alguns meses fugindo do papel como se eu ainda precisasse organizar muitas coisas antes de escrever sobre isso. Ou esperando aquela ligação que diz “Driele está na hora”. Falar sobre o ciclo menstrual tem sido um real desafio e vem junto a pensamentos como: “Isso não te pertence” e a conhecida voz que diz “Quem é você para falar disso?”. Fico pensando quando essas vozes nasceram dentro de mim ou foram construídas.


Trago um trecho do livro Period Power: A Manifesto for the Menstrual Movement que diz “As mulheres têm muito menos confiança sobre ter as qualificações necessárias para concorrer a um emprego, enquanto os homens são menos propensos a pensar que eles são subqualificados quando o são. Ainda são mais propensos a se considerarem muito qualificados quando não são”. No campo do Mindful Eating vemos isso com muita frequência, homens ganhando palco e inúmeras mulheres qualificadas duvidando de suas capacidades. Vale dizer que os palcos são dados por nós mulheres também. Estou pensando sobre nisso junto com você.


Como professora de Mindful Eating estava praticando um exercício que chamava Meditação do útero e pensei em gravar e disponibilizar em uma plataforma de áudios, no entanto notava resistência a essa ideia. Pesquisando mais vi que um homem tinha um áudio gravado sobre uma meditação do útero, e fiquei pensando que confiança essa pessoa deve ter e como ela foi construída. Como poderia alguém que não tem útero ter mais coragem de disponibilizar uma meditação do que uma mulher com útero. Até então nesse aplicativo, a única meditação sobre isso foi gravada pela voz masculina. Para quem se interessar a gravada por mim está disponível no link: insig.ht/gm_19488


Em um retiro de final de semana fizemos um exercício com intuito de suavizar a solidez do que falamos sobre nós mesmas e fomos convidadas a mudar nosso nome e depois trocar o gênero do nome também. Meu primeiro foi “Mel” e depois eu fui o “Marco Antônio”, a Mel já fez várias coisas diferentes como: dividir o banheiro com uma barata gigante e subir em uma árvore de flamboyant pela primeira vez. Ao compartilhar isso, o professor me fez uma provocação dizendo: Será que o Marco Antônio subiria ainda mais alto naquela árvore?!

Como ele sabia que eu tinha ido apenas até a parte mais baixa?


Desde que voltei me pergunto: será que Marco Antônio teria uma confiança maior em falar sobre o ciclo menstrual. E vendo o número de homens que escreveram sobre isso e a genitália feminina, eu diria que sim. Então vamos lá...Sou uma mulher que trabalha há mais de 6 anos com Mindfulness e Mindful Eating; sai de um relacionamento não saudável; morei sozinha; larguei um doutorado na USP; pago as minhas contas; fiz diversos retiro de silêncio; ensino outras mulheres e agora outras profissionais da área da saúde a diminuírem o sofrimento com a comida e o corpo; olho para as raízes do patriarcado na minha família e em mim mesma; questiono; já testei coletor menstrual e absorvente reutilizável; parei de tomar anticoncepcional há 5 anos; há tempos tenho direcionado a minha atenção gentil de forma curiosa para olhar para o ciclo menstrual; tenho útero, vagina e vulva há 32 anos pelo menos e por muito tempo os ginecologistas e meus ex-namorados conheciam mais do meu corpo do que eu mesma.


Parece que estou tentando convencer você de que eu posso escrever sobre isso? Talvez também esteja convencendo a mim mesma.


Eu poderia dizer existe uma coisa acordando dentro de mim, mas talvez eu esteja acordando uma coisa aqui dentro.


A confiança que escrevo para você hoje já tem uma construção dos últimos anos, antes disso, eu me sentia acuada, não conhecia minha própria voz. Conhecia a voz dos meus ex-namorados e da minha família, e eu nem sabia que poderia ter algo separado e que surge desse lugar aqui dentro mente-coração. Foi preciso fazer silêncio para ouvir e a cada prática de Mindfulness e retiro, a voz ficava cada vez mais alta.


Foi assim que decidi terminar um noivado e mudar de casa. E a cada dia me convidava e não calar ou abafar essa voz com as típicas frase “é assim que as coisas são feitas” “foi sempre assim”. Talvez seja por isso que também me estabeleci dentro do trabalho da abordagem não dieta.


Essa voz sai rasgando muitas vezes e a raiva tem se mostrado parte desse processo, assim como uma sensação de transbordamento. O transbordamento vem de uma indignação de como fizeram isso conosco por tanto tempo, e um grito de que tudo mude AGORA e JÁ.

Voltando um pouquinho, compartilharei as primeiras mudanças ou tomadas de consciência que foram decisivas:


1. Eu sou profissional da área da saúde e tive aula de anatomia, certo? E há poucos anos olhei com mais curiosidade para o orifício da uretra e da vagina. Pode parecer óbvio ou novo para algumas pessoas de que são lugares diferente, e não se culpe, essa faz parte daquela zona proibida.


2. Algo que foi revolucionário para mim foi contestar o seguinte:

“A norma culta da Língua Portuguesa estabeleceu o masculino como uso genérico para se referir a todos os gêneros”.

Olha só eu não me sinto inclusA no gênero masculino. E então comecei a mudar tudo que escrevia e foi uma libertação. A maior parte do meu trabalho é interagir mulheres, então porque não as chamar e conversar com elas. Em 2021, lancei um livro, Os contos de Mindful Eating e Mindful Eating, todo escrito concordando com gênero feminino e fazendo o convite para as pessoas modificarem de uma forma que faz sentido para elas.


3. Ainda na linguagem, recentemente me dei permissão para falar palavras como VAGINA, VULVA E MENSTRUAÇÃO. Lembro de ficar falando em voz alta: VAGINA, VAGINA, VAGINA, VAGINA (você pode testar e no começo até parece estranho e depois pode ficar libertador). Começar pela linguagem abre espaço para outras coisas, como olhar para sua VULVA no espelho


4. Em uma noite em Ribeirão Preto, uma grande amiga e eu fomos ver uma palestra da Drag Queen Rita Von Hunty, criada por Guilherme Terreri. E sai de lá com uma sensação de preenchimento e que poderia fazer tudo o que eu quisesse. O que até certo ponto é bizarro, porque um homem me ajudou a ver mais claramente meu potencial e ao mesmo tempo notamos como é importante muitas mãos nessa liberação. Parecia que eu fazia algo muito difícil como sustentar uma casa sozinha, quando na verdade quase metade dos lares do Brasil são chefiados por mulheres. Podemos dizer que nos lares brasileiros tem muitas chefas, e eu era uma delas.


5. Questionando as origens e só agora posso falar com mais tranquilidade sobre as raízes do patriarcado na minha família. No começo tive muita raiva porque via os comentários, as ideias e crenças que me mantinham presa em um relacionamento não saudável. “Homem é assim mesmo” “Casamento é assim mesmo” “Ela está fazendo coisas de mulher” “Mulheres tem que se manter misteriosas para seus parceiros” “Ele me traia, mas nunca faltou nada em casa”, e uma divisão de tarefas de casas totalmente injusta entre os pares. No entanto, a coisa ficou ainda mais desafiadora quando notei as raízes dentro de mim. Exemplo: ao voltar para casa durante a faculdade ou o mestrado achava que quando não tinha almoço era porque a minha mãe não fez e até ficava brava com ela. E nesse momento foi difícil ficar perto da minha família, já que era mais evidente e eu ainda não tinha base forte, logo havia uma tendência de amenizar o impacto do machismo e classificar como mimimi. Agora a partir da minha base mais firme e um olhar lúcido posso estar com elas e eles, sem abalar as bases a ponto de questionar o que já notei que aqui dentro que faz sentido.


6. Todos esses questionamentos me trouxeram uma nova ideia de relacionamento, comecei a dizer a mim mesma “Se casamento e namoro é sempre assim eu prefiro ficar sozinha do que me submeter a algo que faz não sentido para mim”. Parece que quando você está disposta a pôr tudo a perder que alguns caminhos se abrem (ou pôr tudo a ganhar). E sou muito privilegiada por poder fazer isso. Já que preservando seus nomes, conheço muitas mulheres que se pudessem se manter financeiramente não estariam no relacionamento atual. E por isso, tudo isso está dentro de uma discussão política, estou aqui nesse texto falando do meu lugar de fala com uma mulher, branca, heterossexual, magra e com pós-graduação. Se você quer saber mais sobre isso indico o livro “O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras” de bell hocks.


E me coloco em uma posição humilde de notar que o movimento da igualdade tem a ver com reconhecer meus lugares de privilégios e fazer algo sobre isso, e nesse ponto estou muito iniciante: já que começo por esse espaço de me indignar por ver que nos meus cursos de Mindful Eating só tenho mulheres brancas; ler livros escritos por mulheres negras e ouvir a voz de pessoas negras em outros contextos que não só do racismo.


Esse tema pode ser tão complexo que é realmente desafiador escrever sobre isso, já que quando começamos a tocar são tantas coisas que podem ser sufocantes. Então entra Mindfulness, retornando ao meu centro trago a minha experiência para vocês nesse primeiro texto sobre isso. A atenção gentil e o comer compassivo fazem muita diferença na investigação dessa temática. Vamos juntas?


Com Carinho,

Driele, Mel e Marco Antônio.

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