Depois de dois anos trabalhando na formação de profissionais da saúde com a Capacitação de Mindful Eating, notamos um claro desafio que as profissionais encontram para explicar o que é abordagem sem dieta, como funciona na prática e quais indicadores serão mensurados para o sucesso (obs. no Mindful Eating sucesso significa diminuição do sofrimento e aumento do contentamento com a relação com a comida e corpo).
E não era para menos, ninguém precisa explicar o que são as dietas, todo mundo sabe o que é, certo? As pessoas também sabem bem como funcionam e como se avaliam os resultados: balança, porcentagem de massa magra e afins.
Outro ponto essencial é que a cultura da dieta tem duas promessas:
(1) Ajudar as pessoas a comerem saudável
(2) Ajudar as pessoas a atingirem o peso "ideal" (esse peso "ideal" foi criado por um combinado entre indústria da dieta e da beleza e também a farmacêutica. Só por isso você já imagina de quanto dinheiro estamos falando).
Há décadas as dietas vêm falhando em cumprir essas duas promessas. Ao mesmo tempo, quando como profissionais dizemos às pessoas que trabalhamos com a abordagem sem dieta, ao ouvido de quem escuta pela primeira vez pode parecer que não estamos mais nos importando com o comer saudável e o peso das pessoas. (aqui adiciono que no Mindful Eating direcionamos mais atenção para relação com peso, do que o próprio peso, já que esse número não é um indicador de saúde acurado)
Somado a isso, as experiências que as pessoas tem com a “não dieta” geralmente são episódios de descontrole e urgência que obviamente são resultado de períodos de restrição.
Por isso, como profissionais que trabalham sem dietas é essencial nos aprofundar nessa relação que as dietas tem com a vida. Chegamos a um ponto em que dietas estão tão misturadas com a ideia de saúde que muitas pacientes não fazem ideia de como separá-las.
Por isso quando as dietas falham, o que fica é que essa pessoa falhou em comer saudável ou que essa pessoa falhou em perder peso. Demora-se para questionar o método em si.
Se pudermos nos aprofundar ainda mais, as dietas sussurram há décadas que ao perder peso e ter um certo tipo de corpo isso fará de você uma pessoa mais feliz e consequentemente merecedora de amor. Notam como isso é profundo? O desejo de ser amada e se sentir pertencente é algo genuíno é mora nas camadas mais profundas do nosso coração. É realmente doloroso ver que a cultura da dieta se aproveita de algo tão visceral e que nos faz perder tempo ao nos não mostrar o real caminho para isso.
Para saber explicar uma abordagem sem dietas temos que ter em mente tudo isso e mais. Quanto mais íntima você for da cultura da dieta e conhecer como essa mentalidade opera, mais fácil será explicar para a pessoa no consultório.
Abaixo segue passos potentes que são muito úteis:
PASSO 1 - reconhecer em que fase essa pessoa do consultório está:
Ela não faz a mínima ideia de que dietas não funcionam e são maléficas.
Ela já chega com uma frustração de que já tentou várias dietas e acredita que não tem força de vontade o suficiente e por isso precisa da sua ajuda para consertar o que está fazendo de errado
Ela sabe que dietas não funcionam, mas está aterrorizada por não conhecer outra forma de comer
Ela sabe que dietas não funcionam, já começou a se aproximar dos sinais do corpo, mas tem tido muito desafios praticando sozinha e não consegue de fato aplicar no dia a dia
E por aí vai!
Reconhecer qual fase a pessoa chega até o consultório é essencial para que você possa se comunicar de maneira mais habilidosa.
PASSO 2 – Qual é o motivo da consulta?
O que precisamos saber é que independente do motivo da consulta, soltar nem que seja um pouco a cultura da dieta irá ajudar a pessoa com a queixa.
Se ela quiser comer saudável? Parar de fazer dieta irá ajudar nisso porque abrirá mais espaço no dia para sentir o corpo que já tem o mapa do que é saudável e o que significa equilíbrio.
Se ela quiser que os exames de sangue melhorem? Se as alterações são devido ao que ela come, parar de fazer dieta ajudará com a diminuição do pêndulo (restrição – comer demais)
Até se ela quiser emagrecer ela deveria parar de fazer dieta, não sabemos a fórmula do emagrecimento, mas já sabemos que fazer dieta faz as pessoas ganharem peso a longo prazo.
Então isso tem que está claro para nós profissionais. E a maneira como vamos explicar a abordagem sem dieta leva em consideração qual estágio a pessoa está (como mencionado no passo 1) e qual é o motivo da sessão.
Exemplo:
Imagine que uma pessoa está no seu consultório porque quer comer mais saudável e cuidar da saúde. Podemos nos interessar por quanto tempo ela está tentando comer saudável? O que ela já aprendeu em todo esse tempo querendo comer saudável que funciona a longo prazo? O que ela já percebeu que não funciona a longo prazo?
O incrível é que na grande parte dos casos já tem uma sabedoria interna de que as dietas não funcionam e só está esperando as perguntas certas para vir à tona.
Nossa fala pode ir na direção “O meu trabalho como nutricionista, psicóloga e médica é baseado em estimular ações no dia a dia que funcionam a longo prazo e que te ajudarão a comer saudável. Sabe que as coisas que você fez até aqui que não funcionaram? Não vamos mais gastar tempo com isso".
PASSO 3 – Explicar com detalhes como seu trabalho funciona, isso é ponto chave para que a pessoa se sinta mais segura
Se você que está lendo esse texto é nutricionista e na primeiras sessões você retira toda a parte prescritiva, o que sobra? A reposta pode ser quase nada. Então o que terá nesse lugar?
O que vocês irão fazer a cada sessão? Exemplo: vamos fazer práticas com alimentos para que possa comer saudável de forma natural e sem sofrimento.
Qual é a frequência de atendimento?
Como vocês vão mensurar avanços?
Para nutricionista, psicólogas, médicas é necessário mostrar o mapa dessa nova forma de atendimento sem dietas.
PASSO 4 – Saber lidar com a frase “Quero perder peso”
Algo que podemos fazer as pazes é que: we're not everyone's cup of tea. Essa expressão em inglês nos lembra que nem todas as pessoas se encaixarão na abordagem sem dieta e está tudo bem.
O que podemos focar é que tem uma parcela crescente das pessoas que apesar querem perder peso, esse pedido sempre vem em pacote com outro como: comer mais saudável, comer melhor, ter uma velhice mais saudável, parar descontar as emoções na comida, cuidar do colesterol, que a resistência à insulina não se torne diabetes do tipo 2 e etc.
E ainda existem pessoas que vão chegar no consultório em um ponto de tanto sofrimento com a comida, que por um momento até sobrepõem a qualquer vontade de perder peso.
Trabalhar com o desejo de perder peso é desafiador e requer bondade e paciência. Uma das formas é criar confiança, por exemplo, primeiro ajudar a pessoa a comer em resposta a fome e saciedade, para que depois possamos investigar essa relação com o peso. Já que fica mais fácil quando construímos no sucesso e a paciente já tem um pouco mais de confiança na vida sem dietas.
Enquanto profissionais é importante estarmos preparadas para acolher a vontade de perder peso, porque já está presente e ter habilidade para pouco a pouco trabalhando isso dentro da consulta.
Que esse texto possa trazer clareza e rede de apoio para você profissional da saúde que já trabalha com a abordagem sem dietas ou tem intenção de trabalhar. Para saber mais conheça a Capacitação de Mindful Eating para Atendimento em Saúde – Método Comer Compassivo.
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