Premissas da cozinha:
Fazer nhoque de cabotiá não é uma coisa simples
Cozinhar todos os dias é demais (tem momentos que eu acho que dá para viver só fazendo isso: pensando, planejando, fazendo e limpando a cada refeição
Enquanto eu respirar haverá louça
Acho que essa é a primeira vez que me sinto totalmente responsável pela minha alimentação, curioso não é? Tenho 30 anos e por mais que more longe de casa há 12 anos sempre alguém dividia essa tarefa com alguém. No começo da faculdade foi as marmitas que minha mãe preparava para mim, principalmente de salada de grão de bico e macarrão gelado, porque quando estava calor em Ribeirão (ps. que é quase todos os meses do ano), eu não conseguia comer comida quente.
Nesse tempo também tinha o bandejão da faculdade que ficava responsável pelo meu almoço. O tempo foi passando até que em momentos com desafios de manejar a quantidade de trabalho como o segundo semestre do ano passado, os aplicativos de entrega de comida e um restaurante de comida vegetariana começaram a assumir essa tarefa. Passava um bom tempo da semana apenas lavando os pratos e não me entenda mal, porque o restaurante vegetariano fornecia ao meu corpo uma comida de qualidade, o que quero dizer é que nem sempre delegar essa tarefa quer dizer comer algo que não cuide do seu corpo.
O isolamento social devido ao COVID-19 (abril/2020) me colocou em contato com todas as refeições: café da manhã, lanche da manhã, almoço, café da tarde, jantar e quem sabe algo antes de dormir. Nas primeiras semanas estar na cozinha era se reconectar, até que trouxe um peso. Ontem fazendo um nhoque de cabotiá do zero percebi como estava cortando cada coisa com uma certa raiva e notava um pensamento “Fazer comida com raiva impacta no gosto da comida, NÃO PODE”, claro que o amor é ingrediente essencial quando cozinhamos, mas me dei conta que na cozinha alguns sentimentos não proibidos e outros permitidos, assim como em relação a nossa família, não podemos sentir raiva da nossa família, e a raiva é um sentimento essencial de mudança e transformação é algo como se nosso corpo estivesse dizendo “Isso precisa mudar” e também nos dá força para fazer transições. Comecei a falar para mim mesma e para o nhoque “Olha isso não tem nada a ver com você, mas eu permito sentir raiva enquanto estou aqui”.
O que não tinha me dado conta antes é que estar tanto tempo em contato com a cozinha era uma escola das emoções, quem já ficou algum tempo com as panelas e pia talvez tenha percebido que falhar na cozinha é algo que faz parte do processo. Quando um bolo não crescia ou eu descobria no décimo dia que meu levain (fermento natural) não tinha dado certo eu me entristecia. Acontece que o cozinhar não é algo que vai passar a mão na sua cabeça e dizer “Seu bolo a partir de agora vai crescer sempre” e sim um espaço que você vai treinar que isso faz parte do processo. Fiquei imaginando quão sábias são as cozinheiras de longa data, senti orgulho delas, mulheres que estavam lá e que por anos aprenderam a criar, inovar, se cansar e abraçar tudo a cada dia que estavam na cozinha.
Ainda não sei muito bem como trazer suavidade para a cozinha, mas me sinto preparada para falhar várias vezes e seguir em frente.
Driele Quinhoneiro 06.04.2020 Do coração aqui agradecendo as mulheres que me inspiram e hoje pela manhã são as mulheres que estão na cozinha.
Comments